quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A Interface entre a Psicanálise e a Psicopedagogia

Kátia Flamiguh Rodrigues Santos

Para sabermos mais sobre a criança e o adolescente que aprende, faz-se
necessário refletirmos sobre esse sujeito que aprende. Considerando-o na singularidade
de suas expressões, movimentos, pensamentos, sentimentos, emoções, interesses,
desejos, vivências, habilidades, potencialidades e limitações.
Ao analisarmos a interface entre a Psicanálise e a Psicopedagogia, consideramos
que o fazer terapêutico evoca o humano e sua contradição nas suas formas de sentir,
pensar e agir. Interessante a maneira pela qual cada um de nós dimensiona, relaciona e
interpreta o mundo no qual vive.
Estudar a complexidade estrutural e funcional do sujeito, sua subjetividade e
aprendizagem é um assunto importante para o universo psicopedagógico,
compreendendo o estudo da psicanálise um campo importante. Isto leva-nos a refletir
sobre a interface entre a psicanálise e a psicopedagogia, buscar refletir sobre a
subjetividade e a relação com a aprendizagem para uma escuta psicopedagógica mais
efetiva, com um olhar que possa promover uma mudança de postura, através da
reavaliação sobre a relação da psicanálise com a práxis psicopedagógica. Num trabalho
que perceba a criança/adolescente em sua subjetividade com tempo e ritmo diferente
para aprender.
Pensamos a criança e o conceito de infância. A concepção de infância não é uma
idéia fechada, algo definido e imutável, mas se constitui de acordo com o contexto
sócio-cultural. A infância consiste num momento próprio da vida e cada criança aprende
de acordo com seu próprio ritmo de desenvolvimento. Cabe sabermos como a
criança/adolescente aprende, quais os recursos de conhecimento de que eles dispõem e a
forma pela qual produz conhecimento e aprende.
É necessário conhecermos o universo infantil, sabermos sobre as primeiras
aprendizagens da criança, seu desenvolvimento bio-psico-social, compreendermos as
características do pensamento infantil e seus estágios de desenvolvimento.
A psicopedagogia nos ajuda a compreender “as dificuldades de aprendizagem”,
“os distúrbios de aprendizagem” e o que significa aprender. Ela se ocupa da
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aprendizagem do sujeito. A criança/adolescente, na perspectiva da psicopedagogia, é o
sujeito de processos psíquicos e cognitivos; a psicopedagogia está em constante reflexão
sobre o seu comportamento, em um interjogo entre mundo interno e mundo externo,
diante do cotidiano, no complexo processo de relações entre aprendizagem e a estrutura
social. Para a psicopedagogia, o comprometimento da capacidade simbólica é um dos
fatores de prevalência junto aos que têm alguma dificuldade de aprendizagem.
A criança deve desenvolver capacidades e habilidades que o propicie
amadurecer, aprender e crescer com suas experiências. É impossível se falar de
desenvolvimento e aprendizagem sem pensarmos em subjetividade, isso porque para se
compreender como se dá o processo de desenvolvimento e aprendizagem tem-se que
conhecer quem é esse sujeito que aprende e qual sua história de vida.
Pensarmos em alguns pontos importantes no trabalho clínico psicopedagógico
com crianças/adolescente: Como a criança/adolescente chegou até o psicopedagogo,
quem a(o) levou? Para que? Qual o sintoma da(o) criança/adolescente? O motivo da
consulta (manifesto e latente), a história do sujeito, a relação familiar, a avaliação, a
interpretação, a intervenção, como podem ser as sessões (livre, direcionada) e a
devolutiva.
Vale citarmos algumas estratégias de intervenção psicopedagógica utilizadas
para ajudar a criança/adolescente a desenvolver sua auto-estima, superar as dificuldades
emocionais como a “ludoterapia” e a “arteterapia”, que condensam dois pontos de apoio
à intervenção: o lúdico, que fornece informações do sujeito através do brincar; e a arte,
que proporciona a realização de um trabalho direcionado e caracterizado para aplicação
específica. Encontrarmos na brincadeira e na arte os meios “impressionantes”
necessários ao fazer com a criança/adolescente que necessita do acompanhamento
psicopedagógico.
É muito importante no trabalho psicopedagógico que o psicopedagogo possa
estar pronto para acolher a demanda e manejá-la, ou seja, avaliar a demanda para
concluir pela necessidade ou não da intervenção psicopedagógica e possíveis
encaminhamentos. Onde seja possível uma escuta dos sintomas e a reinserção da
criança/adolescente no universo do desejo de saber, de aprender.
O contato com a teoria psicanalítica deixa transparecer a necessidade, no manejo
da clínica psicopedagógica, de uma escuta singular, visto que a psicanálise apresenta a
ética do respeito à subjetividade. As queixas emergentes sobre dificuldade de
relacionamento com o outro, conflitos emocionais, o não aprender expressam um mal61
estar que a criança/adolescente sentem frente a algumas situações vividas por eles na
escola e no meio familiar.
A abordagem psicanalítica propõe um contato do sujeito consigo mesmo, ajuda
emergir o sujeito do inconsciente, do desejo. Assim, deve haver na clínica psicanalítica
reflexão, indagação, questionamento, pois o ser humano parece ser um ser de muitas
faces e de muitas possibilidades.
A teoria psicanalítica imprime sua marca na construção da clínica
psicopegagógica do desenvolvimento e aprendizagem da criança. A idéia é buscar um
olhar que permita “visualizar” melhor a constituição do sujeito na tentativa de percebêlo
na sua singularidade. “Quem sou eu?”, “Não aprendo!”, “Por quê?” Quais são os
limites, os bloqueios, as habilidades e as potencialidades? Tais perguntas são
questionamentos comuns de pais na clínica psicopedagógica. São questionamentos
também das crianças/adolescentes que vêm com pensamentos insistentes na busca de
um saber que deseja saber. Parece haver também um desencontro de ritmos e desejos na
criança/adolescente. Há aqueles questionadores que buscam mudança como há aqueles
que não sabem como agir diante da angustia, do medo do “não-aprender”. Levando para
o campo da análise, será isso uma demanda individual? Todas essas perguntas, entre
outras, permitem uma reflexão profunda sobre o sujeito. Com novos arranjos e
demandas contemporâneas encontram-se algumas possibilidades de respostas às
indagações. As “zonas de incerteza” sempre assombrarão, mas o mais importante é
tentar desvelar o que pode estar velado por falta de conhecimento, de saber na tentativa
de identificarmos as razões dos nossos sentimentos, pensamentos e ações.
Têm-se dificuldades de aprendizagem escolar que evidenciam ser pedagógicas,
mas podemos dizer que esse sintoma muitas vezes está relacionado com outras questões
(pode ser também familiar). A criança/adolescente faz um sintoma, por exemplo, “não
aprender” na escola. Entende-se que pode ser uma forma de comunicação, um meio que
ela busca para mostrar que não está bem. A clarificação das ansiedades que bloqueiam a
aprendizagem, dos medos da criança, das fantasias inconscientes que mascaram a
percepção do real, da descrença em si mesmas decorrentes, na maioria dos casos, de
uma estruturação vincular deficitária nos primeiros anos de vida, de um ambiente
familiar tenso, entre outras situações.
Será que a Psicopedagogia padece de novos sintomas? Quais são as queixas
mais comuns na clínica? O que se pode fazer? Para que a criança aprenda e o desejo se
articule é imprescindível que alguém demande isso dela. A falta de afetividade, um
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problema também ligado à família, compromete seriamente o desenvolvimento da
criança, principalmente no aspecto emocional da aprendizagem.
Uma queixa pode traduzir uma dificuldade, um transtorno, um “sintoma”.
Como, a título de exemplo a mãe diz, “ele não consegue aprender”! O “não aprender”
pode ser um sintoma relacionado ao não querer crescer, este pode ser um desejo da
criança mas também um desejo demandado a ela, ou seja, um desejo da mãe, do pai etc,
podendo ser um sintoma familiar. A criança utiliza esse recurso para denunciar algo de
errado com ela ou no âmbito familiar.
Não é difícil avaliar como é frustrante para a criança/adolescente não conseguir
corresponder às expectativas dos seus professores, pais, colegas e às suas próprias.
Como é sofrido viver intensamente as emoções decorrentes da dificuldade de expressar
sentimentos através das palavras. Então, evidencia-se que não é possível desenvolver a
habilidade cognitiva e social sem que a emoção seja trabalhada. Conta-se com a
psicanálise para uma aproximação maior do sujeito e de possibilitá-lo se responsabilizar
por seus sintomas e aprender a lidar com eles.
Podemos pensar que essas queixas são “sintomas”, sintomas para a
psicopedagogia e para a psicanálise o que traduz uma dificuldade, um transtorno no
campo do aprender. O atendimento psicopedagógico para sujeitos cujos sintomas estão
atravessados por questões que dizem respeito à subjetividade e ao processo de
aprendizagem deve ser trabalhado numa clínica psicopedagógica que resgate o amor e a
confiança do sujeito em si próprio e a diminuição de sua angústia frente ao aprender.
Percebemos que cada um tem seu próprio tempo e que uns precisam de um
tempinho a mais para poder processar as informações que recebem para construção do
conhecimento e aplicação do saber. O processo de desenvolvimento e aprendizagem de
cada sujeito está intimamente ligado à estruturação da personalidade, mas também à
estrutura familiar e social, da relação “eu e o Outro” e de uma rede de significados entre
o subjetivo e objetivo.
Tanto na clínica psicanalítica quanto na clínica psicopedagógica a
criança/adolescente vêm com um sintoma, uma demanda, as entrevistas, os testes (no
caso psicopedagógicos) são os recursos para fazer uma avaliação e um diagnóstico. O
processo terapêutico acontece porque há duas pessoas que se encontram num ambiente
(clínica relacional) onde há uma busca, desejo e espera por algo que opera e que muitas
vezes escapa aos sentidos. O respeito ao tempo e a subjetividade do sujeito são
fundamentais. Por isso, podemos dizer que muito a teoria psicanalítica contribui para o
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fazer na clínica psicopedagogia, na promoção do desenvolvimento e aprendizagem
humana, e para o bem-estar individual, grupal, social.
Construir uma prática clínica capaz de dialogar com o texto no contexto, com o
sujeito e sua subjetividade, com as tramas do conhecimento e do saber é um desafio
constante que exige do psicopedagogo, assim como do analista uma escuta apurada para
um fazer que aposte num sujeito de múltiplas possibilidades de ser e de aprender. A
idéia é essa! Tecer fios de conhecimento para sabermos mais sobre as
crianças/adolescentes a fim de contribuirmos para uma aprendizagem mais significativa,
com mais sentido e, consequentemente, mais prazerosa.
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