quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Freud: A consciência pode conhecer tudo?

Marilena Chauí (profª da USP e autora de vários livros)
(Fonte: Filosofia, Ed. Ática, São Paulo, ano 2000, pág. 83-87)
Freud escreveu que, no transcorrer da modernidade, os humanos foram feridos três vezes e que as feridas atingiram o nosso narcisismo, isto é, a bela imagem que possuíamos de nós mesmos como seres conscientes racionais e com a qual, durante séculos, estivemos encantados. Que feridas foram essas?
A primeira foi a que nos infligiu Copérnico, ao provar que a Terra não estava no centro do Universo e que os homens não eram o centro do mundo. A segunda foi causada por Darwin, ao provar que os homens descendem de um primata, que são apenas um elo na evolução das espécies e não seres especiais, criados por Deus para dominar a Natureza. A terceira foi causada por Freud com a psicanálise, ao mostrar que a consciência é a menor parte e a mais fraca de nossa vida psíquica.
Na obra Cinco ensaios sobre a psicanálise, Freud escreve:
"A Psicanálise propõe mostrar que o Eu não somente não é senhor na sua própria casa, mas também está reduzido a contentar-se com informações raras e fragmentadas daquilo que se passa fora da consciência, no restante da vida psíquica... A divisão do psíquico num psíquico consciente e num psíquico inconsciente constitui a premissa fundamental da psicanálise, sem a qual ela seria incapaz de compreender os processos patológicos, tão freqüentes quanto graves, da vida psíquica e fazê-los entrar no quadro da ciência... A psicanálise se recusa a considerar a consciência como constituindo a essência da vida psíquica, mas nela vê apenas uma qualidade desta, podendo coexistir com outras qualidades e até mesmo faltar. "
A psicanálise - Freud era médico psiquiatra. Seguindo os médicos de sua época, usava a hipnose e a sugestão no tratamento dos doentes mentais, mas sentia-se insatisfeito com os resultados obtidos.
Certa vez, recebeu uma paciente, Ana O., que apresentava sintomas de histeria, isto é, apresentava distúrbios físicos (paralisias, enxaquecas, dores de estômago) sem que houvesse causas físicas para eles, pois eram manifestações corporais de problemas psíquicos.
Em lugar de usar a hipnose e a sugestão, Freud usou um procedimento novo: fazia com que Anna relaxasse num divã e falasse.
Dizia a ela palavras soltas e pedia-lhe que dissesse a primeira palavra que lhe viesse à cabeça ao ouvir a que ele dissera - posteriormente, Freud denominaria esse procedimento de "técnica de associação livre".
Freud percebeu que, em certos momentos, Anna reagia a certas palavras e não pronunciava aquela que lhe viera à cabeça, censurando-a por algum motivo ignorado por ela e por ele. Notou também que, em outras ocasiões, depois de fazer a associação livre de palavras, Anna ficava muito agitada e falava muito. Observou que, certas vezes, algumas palavras a faziam chorar sem motivo aparente e, outras vezes, a faziam lembrar-se de fatos da infância, narrar um sonho que tivera na noite anterior.
Pela conversa, pelas reações da paciente, pelos sonhos narrados e pelas lembranças infantis, Freud descobriu que a vida consciente de Anna era determinada por uma vida inconsciente, que tanto ela quanto ele desconheciam. Compreendeu também que somente interpretando as palavras, os sonhos, as lembranças e os gestos de Anna chegaria a essa vida inconsciente.
Freud descobriu, finalmente, que os sintomas histéricos tinham três finalidades:
  1. contar indiretamente aos outros e a si mesma os sentimentos inconscientes;
  2. punir-se por ter tais sentimentos;
  3. realizar, pela doença e pelo sofrimento, um desejo inconsciente intolerável.
Tratando de outros pacientes, Freud descobriu que, embora conscientemente quisessem a cura, algo neles criava uma barreira, uma resistência inconsciente à cura.
Por quê? Porque os pacientes sentiam-se interiormente ameaçados por alguma coisa dolorosa e temida, algo que haviam penosamente esquecido e que não suportavam lembrar. Freud descobriu, assim, que o esquecimento consciente operava simultaneamente de duas maneiras:
  1. como resistência à terapia;
  2. sob a forma da doença psíquica, pois o inconsciente não esquece e obriga o esquecido a reaparecer sob a forma dos sintomas da neurose e da psicose.
Desenvolvendo com outros pacientes e consigo mesmo esses procedimentos e novas técnicas de interpretação de sintomas, sonhos, lembranças, esquecimentos, Freud foi criando o que chamou de análise da vida psíquica ou psicanálise, cujo objeto central era o estudo do inconsciente e cuja finalidade era a cura de neuroses e psicoses, tendo como método a interpretação e como instrumento a linguagem (tanto a linguagem verbal das palavras quanto a linguagem corporal dos sintomas e dos gestos).
A vida psíquica - Durante toda sua vida, Freud não cessou de reformular a teoria psicanalítica, abandonando alguns conceitos, criando outros, abandonando algumas técnicas terapêuticas e criando outras. Não vamos, aqui, acompanhar a história da formação da psicanálise, mas apresentar algumas de suas principais idéias e inovações.
A vida psíquica é constituída por três instâncias, duas delas inconscientes e apenas uma consciente: o id, superego e o ego (ou o isso, o super-eu e o eu). Os dois primeiros são inconscientes; o terceiro, consciente.
id é formado por instintos, impulsos orgânicos e desejos inconscientes, ou seja, pelo que Freud designa como pulsões. Estas são regidas pelo princípio do prazer, que exige satisfação imediata. O id é a energia dos instintos e dos desejos em busca da realização desse princípio do prazer. É a libido.
Instintos, impulsos e desejos, em suma, as pulsões, são de natureza sexual e a sexualidade não se reduz ao ato sexual genital, mas a todos os desejos que pedem e encontram satisfação na totalidade de nosso corpo.
Freud descobriu três fases da sexualidade humana que se diferenciam pelos órgãos que sentem prazer e pelos objetos ou seres que dão prazer. Essas fases se desenvolvem entre os primeiros meses de vida e os 5 ou 6 anos, ligadas ao desenvolvimento do id:
  1. fase oral, quando o desejo e o prazer localizam-se primordialmente na boca e na ingestão de alimentos e o seio materno, a mamadeira, a chupeta, os dedos são objetos do prazer;
  2. fase anal, quando o desejo e o prazer localizam-se primordialmente nas excreções e as fezes, brincar com massas e com tintas, amassar barro ou argila, comer coisas cremosas, sujar-se são os objetos do prazer;
  3. e a fase genital ou fase fálica, quando o desejo e o prazer localizam-se primordialmente nos órgãos genitais e nas partes do corpo que excitam tais órgãos. Nessa fase, para os meninos, a mãe é o objeto do desejo e do prazer; para as meninas, o pai.
No centro do id, determinando toda a vida psíquica, encontra-se o que Freud denominou de complexo de Édipo, isto é, o desejo incestuoso pelo pai ou pela mãe. É esse o desejo fundamental que organiza a totalidade da vida psíquica e determina o sentido de nossas vidas.
superego, também inconsciente, é a censura das pulsões que a sociedade e a cultura impõem ao id, impedindo-o de satisfazer plenamente seus instintos e desejos. É a repressão, particularmente a sexual. Manifesta-se à consciência indiretamente, sob a forma da moral, como um conjunto de interdições e de deveres, e por meio da educação, pela produção da imagem do "eu ideal" isto é, da pessoa moral, boa o virtuosa. O superego ou censura desenvolve-se num período que Freud designa como período de latência, situado entre os 6 ou 7 anos e o início da puberdade ou adolescência. Nesse período, forma-se nossa personalidade moral e social, de maneira que, quando a sexualidade genital ressurgir, estará obrigada a seguir o caminho traçado pelo superego.
ego ou o eu é a consciência, pequena parte da vida psíquica, submetida aos desejos do id e à repressão do superego. Obedece ao princípio da realidade, ou seja, à necessidade de encontrar objetos que possam satisfazer ao id sem transgredir as exigências do superego. O ego, diz Freud, é "um pobre coitado", espremido entre três escravidões:
os desejos insaciáveis do id,
a severidade repressiva do superego
e os perigos do mundo exterior.
Por esse motivo, a forma fundamental da existência para o ego é a angústia. Se se submeter ao id, torna-se imoral e destrutivo; se se submeter ao superego, enlouquece de desespero, pois viverá numa insatisfação insuportável; se não se submeter à realidade do mundo, será destruído por ele. Cabe ao ego encontrar caminhos para a angústia existencial. Estamos divididos entre o princípio do prazer (que não conhece limites) e oprincípio da realidade (que nos impõe limites externos e internos).
Ao ego-eu, ou seja, à consciência, é dada uma função dupla: ao mesmo tempo recalcar id, satisfazendo o superego, e satisfazer o id, limitando o poderio do superego. A vida consciente normal é o equilíbrio encontrado pela consciência para realizar sua dupla função. A loucura (neuroses e psicoses) é a incapacidade do ego para realizar sua dupla função, seja porque o id ou o superego são excessivamente fortes, seja porque o ego é excessivamente fraco.
O inconsciente, em suas duas formas, está impedido de manifestar-se diretamente à consciência, mas consegue fazê-lo indiretamente. A maneira mais eficaz para a manifestação é a substituição, isto é, o inconsciente oferece à consciência um substituto aceitável por ela e por meio do qual ela pode satisfazer o id ou o superego. Os substitutos são imagens (isto é, representações analógicas dos objetos do desejo) e formam o imaginário psíquico, que, ao ocultar e dissimular o verdadeiro desejo, o satisfaz indiretamente por meio de objetos substitutos (a chupeta e o dedo, para o seio materno; tintas e pintura ou argila e escultura para as fezes, uma pessoa amada no lugar do pai ou da mãe).
Além dos substitutos reais (chupeta, argila, pessoa amada), o imaginário inconsciente também oferece outros substitutos, os mais freqüentes sendo os sonhos, os lapsos e os atos falhos. Neles, realizamos desejos inconscientes, de natureza sexual. São a satisfação imaginária do desejo.
Alguém sonha, por exemplo, que sobe uma escada, está num naufrágio ou num incêndio. Na realidade, sonhou com uma relação sexual proibida. Alguém quer dizer uma palavra, esquece-a ou se engana, comete um lapso e diz uma outra que nos surpreende, pois nada tem a ver com aquela que se queria dizer. Realizou um desejo proibido. Alguém vai andando por uma rua e, sem querer, torce o pé e quebra o objeto que estava carregando. Realizou um desejo proibido.
A vida psíquica dá sentido e coloração afetivo sexual a todos os objetos e a todas as pessoas que nos rodeiam e entre os quais vivemos. Por isso, sem que saibamos por que, desejamos e amamos certas coisas e pessoas, odiamos e tememos outras. As coisas e os outros são investidos por nosso inconsciente com cargas afetivas de libido. É por esse motivo que certas coisas, certos sons, certas cores, certos animais, certas situações nos enchem de pavor, enquanto outros nos enchem de bem-estar, sem que o possamos explicar. A origem das simpatias e antipatias, amores e ódios, medos e prazeres está em nossa mais tenra infância, em geral nos primeiros meses e anos de nossa vida, quando se formam as relações afetivas fundamentais e o complexo de Édipo.
Essa dimensão imaginária de nossa vida psíquica - substituições, sonhos, lapsos, atos falhos, prazer e desprazer com objetos e pessoas, medo ou bem-estar com objetos ou pessoas - indica que os recursos inconscientes para surgir indiretamente à consciência possuem dois níveis:
  • o nível do conteúdo manifesto (escada, mar e incêndio, no sonho; a palavra esquecida e a pronunciada, no lapso; pé torcido ou objeto partido, no ato falho; afetos contrários por coisas e pessoas)
  • e o nível do conteúdo latente, que é o conteúdo inconsciente real e oculto (os desejos sexuais).
Nossa vida normal se passa no plano dos conteúdos manifestos e, portanto, no imaginário. Somente uma análise psíquica e psicológica desses conteúdos, por meio de técnicas especiais (trazidas pela psicanálise), nos permite decifrar o conteúdo latente que se dissimula sob o conteúdo manifesto.
Além dos recursos individuais cotidianos; que nosso inconsciente usa para manifestar-se, e além dos recursos extremos e dolorosos usados na loucura (nela, os recursos são os sintomas), existe um outro recurso, de enorme importância para a vida cultural e social, isto é, para a existência coletiva. Trata-se do que Freud designa com o nome de sublimação.
Na sublimação, os desejos inconscientes são transformados em uma outra coisa, exprimem-se pela criação de uma outra coisa: as obras de arte, as ciências, a religião, a filosofia, as técnicas, as instituições sociais e as ações políticas. Artistas, místicos, pensadores, escritores, cientistas, líderes políticos satisfazem seus desejos pela sublimação e, portanto, pela realização de obras e pela criação de instituições religiosas, sociais, políticas, etc.
Porém, assim como a loucura é a impossibilidade do ego para realizar sua dupla função, também a sublimação pode não ser alcançada e, em seu lugar, surgir uma perversão social ou coletiva, uma loucura social ou coletiva. O nazismo é um exemplo de perversão, em vez de sublimação. A propaganda, que induz em nós falsos desejos sexuais pela multiplicação das imagens de prazer, é outro exemplo de perversão ou de incapacidade para a sublimação.
O inconsciente, diz Freud, não é o subconsciente. Este é aquele grau da consciência como consciência passiva e consciência vivida não-reflexiva, podendo tornar-se plenamente consciente. O inconsciente, ao contrário, jamais será consciente diretamente, podendo ser captado apenas indiretamente e por meio de técnicas especiais de interpretação desenvolvidas pela psicanálise.
A psicanálise descobriu, assim, uma poderosa limitação às pretensões da consciência para dominar e controlar a realidade e o conhecimento. Paradoxalmente, porém, nos revelou a capacidade fantástica da razão e do pensamento para ousar atravessar proibições e repressões e buscar a verdade, mesmo que para isso seja preciso desmontar a bela imagem que os seres humanos têm de si mesmos.
Longe de desvalorizar a teoria do conhecimento, a psicanálise exige do pensamento que não faça concessões às idéias estabelecidas, à moral vigente, aos preconceitos e às opiniões de nossa sociedade, mas que os enfrente em nome da própria razão e do pensamento.
A consciência é frágil, mas é ela que decide e aceita correr o risco da angústia e o risco de desvendar e decifrar o inconsciente. Aceita e decide enfrentar a angústia para chegar ao conhecimento de que somos um caniço pensante, como disse o filósofo Pascal.
PERGUNTAS
  1. Por que a descoberta freudiana do inconsciente foi mais uma ferida no narcisismo (1) ocidental?
  2. Como Freud chegou ao conceito de inconsciente? Como ele descreve a vida psíquica?
  3. Por que o ego (consciência) é um "pobre coitado"?
  4. Como opera o inconsciente (id e superego)?
  5. Qual a função dos sonhos, dos sintomas e da sublimação?
(1) Narcisismo - Conta o mito que o jovem Narciso, belíssimo, nunca tinha visto sua própria imagem. Um dia, passeando por um bosque, viu um lago. Aproximou-se e viu nas águas um jovem de extraordinária beleza e pelo qual apaixonou-se perdidamente. Desejava que o outro saísse das águas e viesse ao seu encontro, mas como o outro parecei recusar-se a sair do lago, Narciso mergulhou nas águas, foi às profundezas à procura do outro que fugia, morrendo afogado. Narciso morreu de amor por si mesmo, ou melhor, de amor por sua própria imagem ou pela auto-imagem. O narcisismo é o encantamento e a paixão que sentimos por nossa própria imagem ou por nós mesmos porque não conseguimos diferenciar o eu e o outro.

SOBRE O AMOR

“ A Psicanálise é, em essência, uma cura pelo amor.”
                                                             
Freud,  numa carta a Jung.

            Qual o lugar do amor na Psicanálise? Esta é a pergunta que a psicanalista Olivia Bittencourt Valdivia faz em seu artigo: “ A Linguagem Interminável dos Amores”, e que tomamos como nossa. Como podemos diferenciar o amor transferencial do amor cotidiano? Existe um amor transferencial e um amor cotidiano distintamente? Será que o amor transferencial não nos dão pistas sobre o amor cotidiano ou ainda será que o amor cotidiano não nos dão pistas sobre o amor e ódio transferenciais?
            “ Freud humano e apaixonado nos deixa os mapas de sua exploração. Em seu percurso amoroso e sensual e autorizado pôr uma longa experiência clínica, há muito se interrogava sobre a vida amorosa dos homens. Em fins do século passado tentando entender a histérica percebeu que talvez ela quisesse dizer alguma coisa com o seu  corpo. Alguma coisa que não conseguia dizer com palavras. E a histérica falou do sexo, do amor, do ódio e da culpa. Freud sem querer, inaugurou o lugar da Psicanálise, que é na verdade o lugar de uma relação de amor. Nesta relação a libido refaz seus caminhos até a possibilidade de uma relação de amor com o analista, que abre esta possibilidade para a vida do analisando. Freud revolucionou a compreensão da noção de sexualidade colocando o sexual no registro do pulsional, estabelecendo a idéia de uma impossibilidade de satisfação, só encontrada  através da fantasia.”[1]
            No rastro da sexualidade caminha o amor ou, como queiram, no rastro do amor caminha a sexualidade. Assim como a meta da pulsão é satisfazer-se a meta do amor é encontrar-se.
            Aristófanes nos conta que nossa antiga natureza não era tal como a conhecemos hoje e sim diversa. Os seres humanos encontravam-se divididos em três gêneros e não apenas dois - macho e fêmea - como agora. Havia um terceiro gênero que possuía ambas características e que era dotado de uma terrível força e resistência e, além disso, de uma imensa ambição; tanto que começaram a conspirar contra os deuses. Zeus e as demais divindades viram-se então tendo que tomar providências para sanar tal insubordinação; tinham a alternativa de extinguir a espécie com um raio, como haviam feito com os gigantes, porém perderiam também as homenagens e os sacrifícios que lhes advinham dos humanos. Pôr um outro lado permitir tal insolência pôr mais tempo era impensável. Resolveu-se então parti-los ao meio, desse modo não  só se enfraqueceriam como também aumentariam de número. Assim foi que até hoje, divididos como estamos,  que cada um infatigavelmente procura a sua outra metade.
            Essa busca incessante aparece no discurso de nossos analisandos das mais diversas  formas, todos desejam, em última instância ser amados. Todas as histórias narradas podem ser lidas  como histórias de amor. Numa composição binária: atividade e passividade, sadismo e masoquismo, paixão e recato, procura e espera, amar e ser amado, cada um à sua maneira e todos numa mesma composição, desenvolvem o drama de suas paixões num palco cercado pôr quatro paredes.
            “A energia de Eros (libido), faz referência a tudo o que pode sintetizar-se como amor, incluindo : o amor a si mesmo, aos pais, aos filhos, à humanidade, ao saber e aos objetos abstratos. Nele convergem pulsões parciais de ternura, ciúme, inveja e desejos sexuais orientados para os mesmos objetos. O amor é , assim, apresentado como uma ampliação do conceito de sexualidade e ao mesmo tempo ancorado na inadequação radical dos objetos à satisfação sexual, vinculada a um fator de desprazer  inerente `a sexualidade humana.”[2]
            Freud à partir dos três ensaios sobre a sexualidade, vai descrevendo o processo de sexuação/subjetivação humana, como uma tentativa de convergência das pulsões sexuais infantis (perverso polimorfo) à uma organização genital adulta, na qual estaria presente a possibilidade de reprodução. Na organização genital adulta, as pulsões se unificariam sobre o primado da genitalidade e reencontraria então a fixidez e a finalidade aparentes do instinto. Sabemos, entretanto, que este encontro/reencontro é da ordem do mítico. A pulsão nunca se satisfaz; não pela “inadequação radical dos objetos”, como coloca Olivia, mas pela inadequação da sua própria proposição - satisfazer-se.
            A pulsão cega, muda e perdida, encontra seus olhos, sua boca e seu rumo no discurso amoroso. O discurso amoroso que, diga-se de passagem,  não recobre somente aquilo que entendemos como os belos gestos ou as belas palavras, mas também os mais odiosos gestos e as mais estúpidas palavras.
            “ O discurso amoroso (odioso) sufoca o outro, que não encontra lugar algum para a sua própria fala nesse dizer maciço. Não é que eu o impeça de falar, mas sei como fazer para deslizar os pronomes : Eu falo e você me ouve, logo nós somos (Ponge). Às vezes, com terror, me conscientizo dessa inversão: eu que me acreditava puro sujeito  (sujeito submisso: frágil, delicado, miserável) , me  vejo transformado em coisa obtusa, que avança cegamente, que esmaga tudo sob seu discurso: eu que amo, sou coisa indesejável, faço parte do rol dos importunos: aqueles que pesam, atrapalham, abusam, complicam, pedem, intimidam (ou apenas simplesmente: aqueles que falam). Me enganei monumentalmente.
(O outro fica desfigurado pelo seu mutismo,  como nesses sonhos terríveis onde certa pessoa amada aparece com a parte inferior do rosto inteiramente apagada, sem boca; eu que falo , também fico desfigurado: o solilóquio faz de mim um monstro, uma língua enorme.)”[3]
            Este amor revelado num dizer maciço assemelha-se ao dizer psicótico; parece-me que a condição do amor psicótico não leva em conta a distância dos corpos, esta distância que aprendemos a respeitar e que às vezes  nos parece insuportável: “A gente sabe guardar distância: à mesa, no trabalho, na rua, existe um espaço devido. Se me aproximo demais, coro, desculpo-me. Por que tal distância? Eu quero companhia e quero solidão, mas a distância convencional é menor que a pedida pelo desejo de estar comigo e muito maior que a proximidade consoladora dos amigos que faltam.”[4]
            A loucura não seria mesmo essa anulação da distância que sabemos guardar uns dos outros? Não seria ela mesma um espécie  de verborragia que não levando em conta os espaços entres as palavras inaugura uma outra linguagem? Linguagem que se estrutura para além ou aquém dos sentidos  alcançados pelos eixos de referência usuais com os quais caminhamos? Caligaris dizia que se os neuróticos organizam-se segundo um mapa terrestre, os psicóticos se organizariam segundo um mapa estrelar!
            Mas seria mesmo só da loucura todas estas atribuições? Me parece que o ser apaixonado também almeja algo parecido: fazer de dois - um.  O ser apaixonado elege o seu amado`a condição de único, onipresente em seus pensamentos e em seu corpo. Onipotente em suas capacidades. Me parece que o ser apaixonado alcança o impossível, e por ser o impossível, não perdura. O impossível é dar nome a algo inominável, é se apropriar de algo inapropriável.
            “Por uma lógica singular, o sujeito apaixonado percebe o outro como um Tudo (a exemplo de Paris outonal), e , ao mesmo tempo, esse Tudo parece comportar um resto que não pode ser dito. E o outro tudo que produz nele uma visão estética: ele gaba a sua perfeição, se vangloria  de tê-lo escolhido perfeito; imagina que o outro quer ser amado como ele próprio gostaria de sê-lo, mas não por essa ou aquela de suas qualidades, mas por tudo, e esse tudo lhe é atribuído sob a forma de uma palavra vazia, porque Tudo não poderia se inventariado sem ser diminuído: Adorável! não abriga nenhuma qualidade, a não ser o tudo do afeto. Entretanto, ao mesmo tempo que adorável diz tudo, diz também o que falta ao tudo;  quer designar esse lugar do outro onde meu desejo vem especialmente se fixar, mas esse lugar não é designável; nunca saberei nada; sobre ele minha linguagem vai sempre tatear e gaguejar para tentar dizê-lo, mas nunca poderá produzir nada além de uma palavra vazia, que é como o grau zero de todos os lugares onde se forma o desejo muito especial que tenho desse outro aí (e não de um outro).”[5]
            Discutindo sobre o conceito de objeto (a), na teoria lacaniana, Nasio se pergunta: “Quem é o outro, meu parceiro, a pessoa amada? Quando Freud escreve que o sujeito faz o luto do objeto perdido, ele não diz ‘da pessoa amada e perdida’ e sim do ‘objeto perdido’. Por que? Quem era a pessoa amada que se perdeu? Que lugar ocupa para nós a ‘pessoa’ amada? Mas, será realmente uma pessoa?/ Coloquemo-nos no lugar do analisando, que deitado no divã, pergunta a si mesmo: ‘Quem é essa presença atrás de mim? É uma voz? Uma respiração? Um sonho? Um produto do pensamento? Quem é o outro?’ A psicanálise não responderá que o ‘outro é...’, mas se limitará a dizer: ‘ para responder a essa pergunta, construamos o objeto (a).’ A letra (a) é uma maneira de nomear a dificuldade; ela surge no lugar de uma não resposta”.[6]
            De uma certa maneira poderíamos dizer que o apaixonado mimetiza a letra (a)  na pessoa amada. O ser amado passa a ser a causa animadora dos desejos do ser apaixonado. Na ilusão de um ser total, completo, no qual nada falta, que lhe pode dar tudo e negar nada. Numa perspectiva lacaniana, o ser amado concebido desta maneira estaria no registro do (A) , grande Outro não barrado. Podemos ver aqui, uma suposta causa de inúmeros sofrimentos de amor, onde o ser apaixonado tenta alcançar no outro algo impossível, um gozo impossível. O assassinato ‘por amor’ talvez reflita um anseio, uma tentativa desesperada, de atingir o outro em sua  imaginada, desejada ‘essência’.
            A desejada captura da ‘essência do outro’ na verdade refere-se à uma  busca de nós mesmos; uma procura não apenas de uma suposta  unidade perdida, como também da força determinante, pulsional que nos atravessa e nos constitui. Nos constitui como seres estranhos a nós mesmos. Talvez o ser apaixonado reproduza inconscientemente a alienação primordial ao Outro, numa tentativa de metabolizar (ao estilo da repeticão traumática) esta experiência infantil alienante/constitutiva. Um mergulho na própria imagem especular.
             Nossas associações nos levam a pensar nas indicações de Freud quanto aos tipos de escolhas objetais sob as quais uma pessoa pode amar; seriam elas do tipo narcísico e do tipo anaclítico. Nunca encontramos essas categorias em seu estado puro, mas sim mescladas , sobressaindo um pouco mais desta do que daquela. Na paixão o que talvez se destaque seja o amor narcisista, o qual corresponderia à :  a) o que ela própria é, b) o que ela própria foi,  c) o que ela própria gostaria de ser, d) alguém que foi uma vez parte dela mesma. Na atitude afetuosa dos pais para com os filhos, onde Freud reconhece uma revivência e reprodução do  próprio narcisismo infantil dos pais, estaria um   modelo de amor, entre um homem e uma mulher adultos, do qual falávamos.
            Como Freud postula existiria ainda o modelo de relação por apoio ou anaclítico. A escolha objetal por apoio  se constrói à partir dos modelos das primeiras satisfações sexuais que se derivam da satisfação adquirida pelas pulsões do ego ou de auto-preservação. Entretanto, nos fica a pergunta, se não há ai também um  modelo predominantemente narcísico de ralação, pois como falávamos acima, os cuidados dos pais para com os filhos, se baseiam, desde a idade mais precoce, em princípios puramente narcísicos: “A criança terá mais divertimento que seus pais;  ela não ficará sujeita às necessidades que eles reconheceram como supremas na vida. A doença, a morte, a renúncia ao prazer, restrições à sua vontade própria não a atingirão;  as leis da natureza e da sociedade serão ab-rogadas em seu favor; ela será mais um vez realmente o centro e o âmago da criação - ‘Sua majestade o Bebê’, como outrora nós mesmos nos imaginávamos.”[7]
            Será que estas categorias, anaclítica e narcísica, realmente fazem algum sentido para nós? 
            Será que o amor não é sempre um amor narcísico? 
            Cabe neste momento passarmos a fazer uma distinção entre o amor e a paixão, entre o que concebemos como amor no sentido mais “pleno” da palavra e o amor como sentimento fugaz, esvanecente. 
            Pudemos localizar apenas um aspecto do amor  quando  definíamos o ser amado no lugar do (A), grande Outro não barrado, ou seja  do outro que tem, que possui o que dá,  do outro supostamente completo. O amor propriamente dito, se situa diante do Outro destituído do que dá,  do grande Outro barrado, (A), em outras palavras do outro reconhecido em sua castração. Seria neste espaço que encontraríamos não mais a paixão, mas sim o amor.
            Eu sei do meu desejo de capturar o outro e fazer dele a minha semelhança, eu sei que meu desejo me transborda e não reconhece diques, eu sei que por ‘amor’ sou capaz de matar  para me fazer existir.
            No amor passa-se a saber não só sobre o próprio desejo, mas também sobre O desejo e que frente a ele não há um, e sim, dois. Quem disser que cabe só ao psicótico “esquecer” que existe um outro distinto, com uma lógica que lhe é peculiar , autônomo e independente em sua própria maneira de desejar e construir o mundo, com certeza nunca terá se apaixonado.
            Sócrates no ‘Banquete’, leva seus ouvintes à conclusão  de que o amor não pode ser belo; pois ama-se sempre aquilo que lhe falta e o amor, que ao belo sempre ama, (quem ama o feio, bonito lhe parece) só pode então ser destituído de beleza. Neste sentido o amor mostra uma de suas facetas  mais narcísicas: a pessoa dirige seu amor ao que ‘ela própria gostaria de ser’, e porque não dizer como Sócrates : ‘ ao que ela própria gostaria de possuir.’
            Entretanto Diotima fará Sócrates avançar em sua retórica sobre o amor...de uma maneira belíssima discorrerá por axiomas que irão chegar a um resultado mais belo ainda.  Não é por ser o amor destituído de beleza que ele seja necessariamente feio (narcísico?) dirá. O amor parece ser um intermediário entre os homens e os Deuses.
            Equivalendo o amor ao bem, comenta algo assim: os homens desejam o bem, mas não desejam só o bem e sim possuir o bem - e possuir o bem seria antes possuir o bem para sempre. A fim de que desejariam possuir o bem para sempre?   “Em concreto, qual o efeito que eles (os amantes) visam (desejando possuir o bem para sempre), sabes dizer-me?”
            Sócrates coloca : “Se o soubesse, não estaria aqui a admirar a tua ciência, Diotima, nem seguiria  as tuas lições para me instruir nessas matérias...”
            Pois bem, Diotima diz : “o alvo do Amor não é de fato o Belo”, como supõe Sócrates, mas sim “Gerar e criar no Belo!”  E gerar concretamente, pois para o ser mortal esta é a única via de se perpetuar e imortalizar:[8] “o Amor  tem igualmente em vista a imortalidade[9]
            Gostaria de acentuar com esta passagem que Diotima aponta para uma possibilidade de amar que ultrapassa a esfera pessoal e culmina com a criação, a qual se contrapõe à repetição.
            O amor em Freud nos leva a pensar o amor como repetição, estamos inseridos numa cadeia de imagos, marcados pelas impressões infantis, das quais não podemos nos furtar. “Quando amamos não fazemos mais que repetir; encontrar o objeto é sempre reencontrá-lo e todo o objeto de amor é substitutivo de algum objeto fundamental prévio à barreira do incesto.”[10]
            Em seu artigo, Olivia coloca que, em contraposição à Freud, a boa  nova de Lacan foi mostrar que “há possibilidade de novos amores possíveis”, “Lacan define o amor como aquilo que vem em suplência da relação sexual. Na impossibilidade da relação sexual ligada ao Real, há uma reversão simbólica permitindo ao sujeito a ilusão de que a relação sexual é possível. Na medida em que é momentânea, não consegue manter a certeza e se dá outra reversão imaginária que se revela como amor ”[11]
            Penso que Diotima nos mostra   como o amor transcende o amor imaginário, através do ‘gerar no Belo’ e amplia assim as possibilidades de suplência da ‘relação sexual’.
            Poderíamos ainda seguir discutindo sobre város temas que se abrem quando falamos do amor, por exemplo quanto a especificidade do amor do homem e do amor da mulher, que penso terem qualidades (e defeitos!) próprios, mas temos que nos reconhecer castrados também em relação à nossa criação.
            Quanto a disposição inicial   em discutir  as singularidades do amor de transferência do amor cotidiano não creio  que tenhamos feito muitos avanços. Miller discutindo sobre o amor de transferência, numa das conferências de Caraquenhas, nos mostra como esta distinção parece um tanto quanto arbitrária quando olhada com mais cuidado, pois se reconhecermos o amor de transferência como “uma repetição estereotipada das condutas inscritas no sujeito, dispostas a ressurgir quando se lhes dá ocasião” , isto, como diz Miller “é certo para todo amor”.[12]
            Assim como o amor não é algo do dia a dia, a entrada em análise também não. Porém quando esta acontece é indicação que aquela já se tornou possível, ou será ao contrário? A associação livre tem algo de uma postura alienada em relação ao outro ao qual se dirige a fala. Um pouco como a fala do apaixonado que com o seu discurso busca um sentido e um continente para sua emoção. O analista como suporte e condicionador da fala do seu analisando, aposta no inconsciente, transmitindo a idéia e a comprovação impírica, de que no limite da fala , da palavra, pode ser encontrada a verdade sobre o Outro que representa a si mesmo. Diríamos que o analista tem a função de balizador do gozo[13] do Outro, isto quer dizer que não só serviríamos como testemunhas da castração como também seríamos um eixo de referência às modalidades do sujeito gozar.

            Deixamos de lado, influenciados pela tortuosidade e dispersividade que o próprio  tema provoca, talvez uma das discussões principais deste trabalho, a saber: De que amor se trata , quando Freud , afirma que ‘a psicanálise é em essência uma cura pelo amor’! Freud cientista, Freud céptico quanto à própria natureza do homem[14], nos deixa um pouco embaraçados com uma afirmação como esta. Talvez tenhamos que dar atenção ao interlocutor a quem se dirige a frase com o fim de justificá-lo (desculpá-lo)? Mesmo assim, de que maneira?
            Todavia temos ainda a possibilidade de acreditar que o amor a que se refere Freud não é o amor judaico-cristão do qual descendemos, mas sim uma outra espécie de amor. Uma outra espécie de ‘aproach’.
            Mas, que espécie de amor/aproximação é esta?
            Diríamos que  a isto  que Freud dá o nome de amor  poderia  ser pensado como todas as nossas condutas que, conscientemente ou não, sintetizam a nossa ética, que num resumo um tanto grosseiro, significam:  saber que o sofrimento é algo inerente à condição humana, que não podemos viver no lugar do outro algo que lhe é próprio, que não podemos apartar o sofrimento de quem quer que seja , no máximo, acompanhá-lo.


BIBLIOGRAFIA

.  Valdivia, Olivia Bittencourt;  “A Linguagem Interminável dos Amores”;  Jornal do Federal  Nº34; 1993.
. Freud, Sigmund;  “Obras Completas”;  Ed. Imago; 1969.
. Platão;  “O Banquete”;  Edições 70;  1991.
. Alain Miller, Jacques;  “ Percurso de Lacan - Uma Introdução”;  Ed. Zahar;  1994.
. Barthes, Roland;  “Fragmentos de Um Discurso Amoroso”;  Ed. Franciso Alves;  1995.
. Herrmman, Fabio;  “Andaimes do Real - Livro I”;  Ed. Brasiliense;  1991.
. Nasio, J.-D.;  “Cinco Lições Sobre a Teoria de Jacques  Lacan”;  Ed. Zahar;  1993.
.  Souza, Paulo Cézar (organizador);  “Freud & O Gabinete do Dr. Lacan”;  Ed. Bras.;  1990.
. Milan, Betty;  “O que é Amor”;  Ed. Brasiliense;  1991


[1] Valdivia, “ A Linguagem Interminável dos amores”.
[2] Idem nota (1)
[3] Barthes, “Fragmentos de um Discurso Amoroso”, pag.148
[4] Herrmann,  “Andaimes do Real”, pag.103.
[5] Barthes, “Fragmentos de um Discurso Amoroso”, pag.14
[6] Nasio, “Cinco Lições sobre a Teoria de Jaqques Lacan”, pag.93/92.
[7] Freud, “Sobre o Narcisísmo: Uma Introdução”, pag.108.
[8] O desejo da imortalidade (supondo universal) também deveria ser objeto de investigação! Porque desejamos a imortalidade? Porque não podemos simplesmente morrer? Desejamos a imortalidade pelo medo da morte ou por amor à vida? E o que há na vida que causa tanto amor a ela?
[9] Platão, “O Banquete”, pag.76/77
[10] Bittencourt, idem nota (1)
[11] Bittencourt, idem nota (1)
[12] Miller, “Percurso de Lacan - Uma Introdução”, pag.66
[13] Sabemos da complexidade do conceito, porém para este trabalho não foi possível desenvolvê-lo. Para aqueles interessados no tema recomendo o livro do Nasio, citado aqui.
[14] Numa entrevista belíssima,  perto do final de sua vida, Freud comenta, ao passear pelo jardim de sua casa em Londres, que preferia “a companha dos animais à companhia dos humanos” ,  e referindo-se ao desejo de imortalidade diz não tê-lo: “Se reconhecemos os desejos egoístas por trás de toda conduta humana, não temos o mínimo desejo de voltar...para que serviria isso ,sem memória”. “Não me faça parecer um pessimista - disse ele após o aperto de mão . - Eu não tenho desprezo pelo mundo. Expressar desdém pelo mundo é apenas outra forma de cortejá-lo, de ganhar audiência e aplauso. Não, eu não sou um pessimista, não enquanto tiver meus filhos, minha mulher e minhas flores! Não sou infeliz - ao menos não mais infeliz que os outros.”  -  Paulo Cézar Souza, ‘Freud e o Gabinete do Dr. Lacan’.

Bullyng
Promover experiências artísticas e culturais entre os jovens da cidade, no ambiente escolar pode ser uma medida bem legal para acabar com o bullyng. Oferecer apoio psicopedagógico para os jovens estudantes e de jovens da comunidade. Importante percebermos que as pessoas são diferentes umas das outras, devemos respeitar as diferenças e criar condições para uma maior aproximação entre os jovens, reformular pressupostos e banir preconceitos.

A psicanálise tal como Freud a colocou, diz-nos que não somos os donos de nossas mentes. Somos dominados e até mesmo dirigidos, por processos mentais inconscientes, por desejos, medos, conflitos e fantasias.
QUEM É PSICANALISTA?
Wilson Amendoeira
Qual o interesse desta questão para uma pessoa comum que folheia o seu jornal? A psicanálise não é um artigo de consumo para uma elite intelectualizada e com alto poder aquisitivo, ou para madames que procuram preencher o seu tempo ocioso? O psicanalista não é um profissional que ganha rios de dinheiro e vive olimpicamente afastado das agruras do mundo que o cerca?
Idéias pré-concebidas e distorcidas não faltam e, apesar disso, elas ajudaram a fazer da psicanálise uma das grandes influências na nossa cultura.
A Psicanálise foi criada por Sigmund Freud em fins do século XIX. Ele definia a Psicanálise como um procedimento para a investigação do sofrimento mental, que seriam inacessíveis por outros meios, além de um método para o tratamento de distúrbios neuróticos, compondo um corpo de conhecimentos psicológicos que se acumulava nesta nova disciplina científica. A sua aplicação mostrou ser um instrumento poderoso para ajudar o homem a lidar com os distúrbio emocionais e com o seu sofrimento.
Seus conhecimentos estão incorporados em todas as áreas da cultura contemporânea, com suas aplicações nas esferas social, científica, cultural, educação de crianças e processos de aprendizagem. No campo da cultura popular podemos verificar, nos dias de hoje, sua influência e difusão pelos termos e noções psicanalíticas incorporados ao nosso cotidiano: atos falhos, projeção, complexo de Édipo, superego são termos ou noções que, embora muitas vezes imprecisamente, estão implantados e presentes nas novelas, no talk-show da televisão, no comentário esportivo do cronista.
Preocupado com o destino de sua criação Freud patrocinou, em 1910, a fundação de uma associação internacional - a International Psychoanalytical Association - que integrasse os vários grupos psicanalíticos então existentes, criasse normas para a formação de futuros analistas e evitasse distorções e descaminhos na Psicanálise, com a expansão de sua prática. Aqui, no Brasil, os filiados à esta associação internacional são membros das sociedades e grupos de estudo representados pela Associação Brasileira de Psicanálise (ABP).
Há cerca de 90 anos a formação para psicanalistas está baseada em três atividades complementares e indissociáveis entre si: a análise pessoal, os cursos teóricos e o acompanhamento dos tratamentos feitos pelo iniciante.
Este modelo configura a formação como um ofício, e o psicanalista aprende e ganha qualificação em oficinas - os institutos de formação - onde, artesanalmente, no contato com analistas mais experientes, desenvolve sua análise pessoal, realiza seus seminários para o aprendizado teórico e técnico e tem o seu trabalho, com os pacientes iniciais, supervisionado. Os psicanalistas formados por nossas federadas levam cerca de oito anos para completar sua formação; em 49 anos formamos 980 analistas e temos cerca de 800 psicanalistas em formação em nossos Institutos de Ensino, espalhados em oito estados da federação.
A constante e persistente pesquisa do próprio inconsciente faz da formação de cada psicanalista um processo praticamente interminável, que se amplia no seu diálogo com os textos clássicos e com os produzidos por outros analistas, confrontados com a sua experiência pessoal na relação com seus analisandos, mesmo quando já está qualificado como psicanalista. Esta qualificação, portanto, foge aos modelos que podem sofrer algum tipo de certificação por instituições de ensino ou órgãos reguladores públicos; se existe um indicador ele será, certamente, o de qual é a instituição que forma, quem são seus componentes, que padrões são seguidos.
A partir dos anos 60, gradualmente, este campo vai se expandindo e surgem outras instituições, fora da International Psychoanalytical Association, que se propõe a formar analistas, com variações nos requisitos e na modelagem do processo de formação, mas mantendo os princípios gerais como estabelecidos no início do século passado e ampliando a parcela dos profissionais, filiados a várias outras escolas, que se dedicam ao estudo e à prática da Psicanálise.
Ao longo dos anos este campo estabeleceu e mantém suas tradições, com uma prática onde se preserva o patrimônio da psicanálise e onde se organiza um campo de assistência, representado pelo tratamento às pessoas que nos procuram.
Por estes motivos a psicanálise não é regulamentada como profissão no Brasil e em nenhum outro país. Mesmo entre os psicanalistas existem muitas controvérsias e discussões, embasadas no processo de formação e na natureza do exercício da prática terapêutica, sobre as possibilidades de sua regulamentação.
No momento está na ordem do dia mais uma destas tentativas: o Projeto de Lei nº 3.944 de 13 de dezembro de 2000, de autoria do deputado Eber Silva, do Rio de Janeiro.
A partir de premissas equivocadas estipula procedimentos e subordinações incompatíveis com a essência do ofício e da formação de seus profissionais, abrindo mão do que consideramos o passo inicial de qualquer tentativa séria de abordar esta questão – ouvir a comunidade de psicanalistas brasileiros, através das Sociedades e entidades que os formam e representam.
Penso que este passo é um valor a ser sopesado na constituição de uma regulação do campo psicanalítico. Até o momento foi eficaz a nossa reação às tentativas de regulamentação da atividade; o que precisamos avaliar é se, em outras correlações de forças e interesses, não seremos prejudicados em nossa capacidade de enfrentamento ou enfraquecidos pelo desgaste provocado, em nós mesmos, pela repetição das tentativas e pela imensa energia e tempo que despendemos em cada uma delas.
Apesar das controvérsias e discussões, entre os psicanalistas, sobre as possibilidades de sua regulação, pensamos que podemos alcançar um projeto que esteja centrado neste reconhecimento: uma entidade supra-institucional, constituída de representações dos vários campos e escolas psicanalíticos, que credencie instituições que atendam os padrões a serem estabelecidos em conjunto e que torne pública a relação de instituições que são reconhecidas por ela como formadoras de psicanalistas.
A ABP está associada com as entidades representativas que formam este campo e que assumem plenamente o compromisso com a sociedade e com a população, buscando proteger o que sabemos ser o importante e essencial para todos nós – a psicanálise brasileira.

http://www.abp.org.br/jornalc.htm
Comissão de Comunicação pela Internet (CCI) - e-mail: cci@abp.org.br
O que é ser psicanalista?
Maria Julieta S. Nóbrega
A psicanálise é o exercício da diferença no sentido de
permitir que o sujeito e o objeto possam ser elevados a
categoria da Coisa.

Quem vai em busca de análise não sabe o que está buscando; e o analista sabe o que é ser psicanalista? Lacan, no seu Seminário I, pergunta: "Qu’est-ce que nous faisons quand nous faisons de l’analyse?". Retomo esta questão para mim a cada nova sessão de paciente – como dar-se conta do que implica a posição do analista, posição que possibilita o levantamento do recalque, permitindo a emergência do sujeito do inconsciente, sujeito dividido, sujeito do desejo (S/)? Isto impõe uma direção do tratamento, pois não se trata de intuição mas de uma direção na dedução e na construção, no manejo da transferência, não havendo nenhuma garantia, a não ser no après-coup, da validade do ato analítico.
E quando o analista se perde de sua função; como se reencontrar? Que aspectos de sua clínica levariam a uma maior precisão teórica, que elementos teóricos o ajudariam a se reposicionar? Como sustentar a diferença e a destituição subjetiva, direção do percurso de sua própria análise?
Há uma condição que se impõe de princípio para o psicanalista em relação àquele que o procura: ele, analista, não está ali para responder incondicionalmente ao pedido de ajuda que lhe é feito. O ato de aceitar alguém em análise é uma resposta analítica, trabalhada pelo analista desde o início do primeiro contato. Em última instância, é a posição do analista que possibilita a emergência do inconsciente, sempre virtual. É nas entrevistas preliminares, ao início do trabalho analítico, que se opera a retificação subjetiva que possibilitará a transferência analítica e, só então, a abertura do campo da interpretação. Por exemplo: se alguém vem ao analista trazendo a demanda de encontrar a "mãe ideal", delegando ao analista esse lugar imaginário, cabe ao analista manejar essa transferência imaginária, de modo a que essa demanda se transforme em uma questão analítica, numa retificação subjetiva que o implique num processo de trabalho analítico, no qual possa se instaurar a cadeia significante com conseqüências. Todo trabalho, portanto, vai depender do desejo do analista tanto na função de sujeito suposto saber (Sss), como na função de objeto, na sustentação do vazio, para que aí se fale, para que aí aconteça a associação livre, fala que está em transferência e que faz com que se produza um determinado saber no analisante – o mito individual do neurótico – em suas formações do inconsciente e nas opacidades do "umbigo do sonho".
A aceitação de uma assimetria radical entre analista e analisando é o que implica alguém nesta posição de analista, uma assimetria que faz obstáculo à reciprocidade, da ordem do especular, necessária para a identificação, que se dá no campo do imaginário, com o outro especular, semelhante (outro com minúscula), na intersubjetividade. Cabe ao analista sustentar um lugar simbólico, que na teoria lacaniana é denominado Outro (outro com maiúscula), que permita que a "inflação" imaginária ceda lugar ao simbólico e ao mais além, da ordem do inominável, da ordem do real. Lacan diz no Seminário I: "Vocês podem assegurar-se, desde então, que a regulação do imaginário depende de qualquer coisa que está situada de maneira transcendente, como diria Hyppolite – o transcendente na ocasião não sendo nenhum outro que a ligação simbólica entre os seres humanos. O que é a relação simbólica? É, para pôr os pingos nos is, que socialmente nós nos definimos por intermédio da lei. É a troca de símbolos que situa os nossos eus, uns em relação aos outros. Em outros termos, é a relação simbólica que define a posição do sujeito como aquele que vê."
E o que fazer com a demanda do analisando, sabendo de antemão que a demanda é antes de mais nada isso a que não se deve responder? Paradoxo, pois é com a demanda que se começa uma análise, é preciso uma demanda de análise. E é essa demanda que vai se articular, renovar-se nos significantes da análise e constituir-se em cadeia significante; a direção do tratamento provocando uma vacilação da demanda, instaurando o desejo numa dialética que permita ultrapassar o impasse da demanda.
Lacan disse que Desidero é o cogito freudiano, e que a posição do analista é responder à ética freudiana do desejo, que está em contradição seja com os ideais da cultura (a assimetria entre analista e analisando não responde ao ideal democrático de igualdade e fraternidade), seja com os ideais da pessoa do analista. Freud, em vários momentos ao longo de sua obra, ataca os desvios que poderiam levar o analista a não responder a sua função de analista: colocar-se como educador, como ideal, como amo do desejo, como filantropo. Pois, se aquele que vem em busca de ajuda quer alcançar a felicidade e acredita que o analista tem o caminho, tem o bom julgamento entre o Bem o Mal, cabe ao analista saber que este julgamento não pode ser da ordem do bom senso e que a felicidade imaginária almejada não pode ser alcançada. Todos estes valores estão profundamente subvertidos pelo pensamento freudiano que não denega o que é da ordem da sexualidade e da morte.
Freud pôs-se contra a ética aristotélica, idealista, que põe como finalidade o Soberano Bem (o Outro não zela pelo bem comum, não faz parceria). Ficou do lado de Kant, que refere a ética à lei, a qual deve determinar o ato. Entretanto, Freud é pessimista quanto à eficácia da lei, pois não denega as forças pulsionais que habitam o Homem. O ser falante está definitivamente marcado em suas ações pela presença da pulsão que é parcial, polimorfa. Em O Mal Estar na Cultura, Freud fala da impossibilidade de se cumprir "a mais recente das ordens culturais do superego, o mandamento de amar ao próximo como a si mesmo". Freud não se põe do lado ideal superegóico, situando-se na escuta do sintoma, desvio que o desejo toma, por efeito do recalque, para se realizar numa negação da castração.
O analisando chega à análise com seus nós sintomáticos, suas demandas, seus enunciados. Trata-se na sessão analítica de abrir, a partir daí, a questão do desejo, apontar para o sujeito da enunciação, construir o fantasma (a Outra Cena). No entanto, se desde a entrada em análise a demanda já está em função, trata-se de desde as primeiras pontuações abrir a dialética do desejo, abrir pela incógnita do desejo do Outro, o que se construirá como a cena fantasmática. E se é o complexo de castração que tem a função de instalação do recalque e a conseqüência da estruturação do sintoma, é para este rochedo que a análise freudiana se dirige e não há outro caminho para o analista que não seja o de aproximação ao desejo pelo levantamento do recalque. A ética que se impõe, a partir da clínica, é ditada pelo desejo que se desvela pela relação do sujeito com o significante através das formações do inconsciente – só se pode alcançar um sentido pela via do significante.
O desejo é a verdade do sujeito, verdade que não reside na obediência ao princípio do prazer e sim a um mais além do princípio do prazer, aonde está a causa, a Coisa inacessível, objeto desde sempre perdido. A teoria do sujeito dividido (S/), sujeito do inconsciente, mostra-nos justamente que somos destinados a nunca nos satisfazermos com um mundo calculado para nos fornecer prazeres. É o desejo do analista na direção do tratamento que realiza um campo onde o desejo surge pela imposição da castração na lei do incesto. E quando o desejo surge como a lei (que supõe a lei do incesto) põe as ideologias em questão e a psicanálise em seu trabalho com o desejo revela a distância que há entre a articulação do desejo no Homem e o que se passa quando o desejo toma o caminho de se realizar. Se o humanismo aponta para a harmonia, a psicanálise, para a desarmonia. O Homem em psicanálise não é tomado como centro do universo, como fim em si mesmo; pelo contrário, ele aparece como decomposto, como corpo despedaçado pelo jogo das pulsões, como movido por um mais além – um Outro fala nele. Na passagem da natureza para a cultura dá-se o aprisionamento na linguagem deixando o ser falante em um paradoxo: se por um lado a linguagem permite-lhe a criação, por outro lado veta qualquer saída de plenitude, de solução suprema.
Você agiu conforme o seu desejo? Lacan mostra no seminário da Ética que esta questão ética só pode se colocar na psicanálise – a ética freudiana consiste num julgamento sobre a ação, num retorno ao sentido da ação, sentido referido ao desejo. O campo do discurso analítico remete o sintoma a uma rede significante, à dimensão simbólica da metáfora e da metonímia, das formações do inconsciente – a questão fundamental do desejo só pode ser pensada pela determinação do significante. É a partir desta dimensão simbólica que se pode interpretar – interpreta-se o que está escrito, o que está no simbólico já interpretado. E é neste percurso interpretativo de aceder ao desejo, levado às últimas conseqüências, que se vai em direção ao campo central do desejo, do mais além, à ordem do gozo, chegando ao âmago da questão ética, tocando o real na construção da cena fantasmática. O real aparece quando se força a língua até seus limites. A ética da psicanálise se liga ao que está além do princípio do prazer, além do recalque – vai da questão do desejo, do desejo do Outro, à relação da falta, à localização do Homem em relação ao real; à descoberta de que o universo da falta não é mórbido mas constitutivo; à ficção do desejo – o fantasma, construído em análise. A ética está atravessada pelo real, sustentada em um universo de falta, tendo como bisturi a pulsão de morte.
É importante lembrar que há o S1 articulado ao S2 na cadeia significante e que há S1 não articulado à cadeia – a Coisa é da ordem do não representável. É o desejo do analista que mantém a sustentação do lugar vazio para que aí se fale. Nesta função de vazio a presença do analista trabalha o objeto a, para destituí-lo (objeto causa do desejo, não representável; posição só sujeito na cena fantasmática, posição esta de completamento do Outro, de tampão da falta do Outro). O objeto em psicanálise é desde sempre perdido. Da função de Sss para a função de pura presença faz-se a articulação entre o saber e o rochedo da castração. Introduzir o discurso do Outro é introduzir a possibilidade de articulação do sujeito e é o meio de localizar esta significação, que prende o sujeito à alienação no discurso do Outro. É na travessia desta posição que, em sua estática, responde à ética do desejo, ao mesmo tempo que é ponto de dessubjetivação; suporte do desejo, ao mesmo tempo que o ponto em que o gozo se desvela.
E o fim de análise? É a radicalidade da singularidade. A psicanálise é o exercício da diferença no sentido de permitir que sujeito e objeto possam ser tomados em sua não-representabilidade, elevados à categoria da Coisa. O fim da análise é um poder desejar na spaltung, sustentado na castração; poder operar mais a sublimação como destino da pulsão; poder passar de objeto do desejo do Outro a sujeito do desejo na travessia do fantasma, pela destituição do objeto a.
 
 
Maria Julieta S. Nóbrega
Psicanalista
Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae
http://www.uol.com.br/percurso/main/pcs03/JulietaPsicanalista.htm

Psicanálise e Psicomotricidade

Texto da autoria de Suzana Veloso Cabral, psicomotricista.

Psicanálise e Psicomotricidade
 1948 AJURIAGUERRA e DIATKINE integram: ·  Psicologia do desenvolvimento – Piaget e Wallon ·  Fenomenologia de Merleau Ponty ·    Psicanálise – Freud.
O inconsciente de Freud é o conceito que cria a Psicanálise e causa a terceira ferida narcísica da humanidade. As duas primeiras foram a revolução de Copérnico, que descentrou o mundo, e a de Darwin, que revelou a espécie humana como animal.
Antes de Freud a Psicologia e Filosofia concebiam a subjetividade una, identificada com a consciência, sob domínio da razão. O desejo era perturbação da ordem, modificava o pensamento e o tornava inadequado à realidade, pois o desejo introduz deformações no material de conhecimento e gera erros.
O inconsciente e o desejo  provocam a clivagem da subjetividade. Há duas ordens distintas: -  o sujeito do desejo, inconsciente, cuja verdade não é da ordem do racional e do conhecimento, - o sujeito do conhecimento, racional, consciente.
A psicanálise lida com o sujeito do desejo, permite a singularidade do indivíduo e oferece um lugar onde o discurso individual pode ser escutado. Explicita-se a lógica, sintaxe, modo de funcionamento do inconsciente e o desejo que o anima.
Os conceitos centrais da psicanálise são: • Inconsciente • Desejo • Transferência (correlato do inconsciente na prática clínica) • Pulsão (articulação do psíquico e somático)

O corpo é libidinal. Há zonas erógenas com investimento libidinal que se implicam na evolução do movimento e da atividade perceptiva. Agir e perceber são  função do Ego.
Schilder integra o corpo libidinal na noção de esquema corporal.
Os problemas motores e perceptivos podem ser psicogênicos (histeria), psicossomáticos ou psicomotores (não há organicidade e há dificuldade de simbolização). Spitz fala da carência afetiva  precoce e do hospitalismo com atraso do desenvolvimento psicomotor.
Na psicomotricidade ocorre num primeiro momento a ênfase no corpo pulsional, libidinal, substrato e revestimento do corpo funcional. A energia afetiva impulsiona a evolução psicomotora.
1925 – Primeira Sociedade de Psicanálise com membros franceses e estrangeiros, mas sem nenhum autor influente. 1930 – Melanie Klein é convidada por Jones para a Sociedade Britânica de Psicanálise e cria a Psicanálise Infantil com primeiro livro publicado em 1932 e a técnica do brincar sobre a qual cria polêmica com Anna Freud. Ela fala de objetos internos, imagos parentais, superego primitivo e início do Édipo no primeiro ano de vida, amor/ódio e seio bom/mau.
1950 – Winnicott questiona o excesso de imaginário de Klein e fala do ambiente e maternagem suficientemente boa (mãe capaz de ilusionar e gradativamente dar a desilusão necessária à evolução do bebê). Surge o espaço potencial entre ela e o filho, com os objetos transicionais.  Há um discurso que envolve a criança mesmo antes de nascer (desejo da mãe) e presença precoce do pai, pois a mãe o veicula quando se afasta do filho para estar com o marido.
1950/53 – Florescimento do movimento psicanalítico na França e surge Lacan, que tem influência estruturalista e relendo Freud cria os conceitos imaginário/simbólico/real. Reafirma o Édipo como fundador do inconsciente. Enfatiza o desejo, o outro, o sujeito do inconsciente. O meio médico francês aceita uma psicanálise mais tradicional e Lacan cinde com ela, criando a Sociedade Francesa de Psicanálise, junto com Dolto e Lagache, e depois cria nova cisão, criando a Escola Freudiana de Paris.
Entre 1970 e 80 há influência da nova leitura da psicanálise sobre a psicomotricidade. Diatkine e Lebovici integram os conceitos de Lacan e os publicam em livros que tratam também da teoria da psicomotricidade e participam das Jornadas anuais de Psicomotricidade promovidas pelo recém criado sindicato de Psicomotricistas.
Há a partir daí grande produção teórica de psicanalistas sobre a psicomotricidade: Jolivet, Gibello, Jean Daniel Stucki, Danielle Flagey, Pierre Barrès e Sami-Ali. Os psicanalistas também dão supervisão a psicomotricistas, mas determinam uma diferença entre os dois atendimentos: ·         O uso da linguagem: os psicomotricistas não interpretam e nem intervém verbalmente. ·        A transferência é reconhecida, mas não trabalhada diretamente na terapia psicomotora.
1974 – É a grande virada da Psicomotricidade. Enfatizam-se a relação e a transferência. Fala-se em fantasias, fantasmas, projeções, atividades livres psicomotoras simbólicas e atividades tônico-motoras expressivas, saindo do uso puramente instrumental e funcional das atividades corporais.
Os psicomotricistas compreendem o papel do corpo nas formações do inconsciente: “o corpo é justamente a fonte biológica de todas as pulsões, o centro das relações infantis com a mãe, o lugar onde se inscrevem as pulsões que não têm acesso à palavra” Jean Claude Coste
A psicomotricidade enfocando a relação começa a trabalhar com o jogo simbólico e com as fantasias “marcadas” no corpo funcional.
O sujetio da psicanálise
Apresentação
O sujeito em questão na psicanálise é aquele de origem marcado pela divisão. Trata-se do sujeito do inconsciente: aquele que não sabe o que diz quando alguma coisa é dita pela palavra que lhe falta, assim como por uma conduta singular que ele crê ser sua.
O sujeito pode ser definido em relação ao fading, ao cansaço, que é fruto da relação entre o sujeito e si próprio, não entre o sujeito e o mundo.
Pode também ser definido como um efeito de sentido do significante, o que quer dizer, sobretudo que é sem conteúdo. O sintoma da dúvida é uma boa ilustração do que significa um efeito de sentido sem conteúdo. O sintoma da dúvida é, em si, sem conteúdo. O conteúdo da dúvida é derivado, secundário. A dúvida primária é sem conteúdo. Talvez até possamos dizer que a dúvida primária é real e, para fazer um dialelo, dizer que essa concepção do sujeito permite defini-lo como real.
Um discurso modela a realidade, sem esperar nenhum consenso do sujeito, dividindo-o, seja o que for que ele enuncie. Disso resulta possível situá-lo nos mais diversos discursos. O discurso do analista exprime o sujeito como outro, ou seja, lhe remete a chave de sua divisão. O discurso da ciência torna o sujeito mestre, na medida em que o desejo que lhe dá validade ao mesmo tempo o subtrai. É também por isso que aí se manifesta um real próximo do discurso histérico.
Dado que o significante representa um sujeito, não um significado, para um outro significante, não para um outro sujeito, o significante não pode sucumbir ao signo, que representa alguma coisa para alguém. O psicanalista está advertido de que esta alguma coisa da qual deve se ocupar é a divisão do sujeito, que não deve ser tomada por uma coisa, posto que é falha e de estrutura.
A divisão do sujeito ressoa as vicissitudes do saber do sexual sempre traumático, sempre condenado ao fracasso pelo fato de que o significante não está apto para formular na estrutura a relação sexual.
A coletânea – O sujeito da psicanálise - está distribuída em quatro seções: topologia do sujeito, sujeito e discurso, clínica do sujeito, sujeito e gozo.
A seção Topologia do sujeito compreende três artigos: no primeiro, se encontrará a justificação da metáfora como operação significante equivalente à condensação freudiana, a metáfora como mecanismo primário das formações do inconsciente.
No segundo, se relaciona o primeiro momento de efetuação da estrutura, o Fort-da, como correlativo ao domínio da linguagem falada, e o segundo, a castração, como correlativo domínio da leitura e da escrita. A esses dois momentos de efetuação da estrutura, Roseli Rodella acrescenta um terceiro, a puberdade, momento em que o sujeito encontra-se com o Outro sexo, com a ausência do significante que nomeia Mulher. Este terceiro momento, a autora coloca como correlativo ao domínio da matemática. O número, aí, como uma forma de se representar no Outro tal como somos representados pelo significante.
No terceiro, Didier Castanet define a estrutura do sintoma como estrutura da metáfora, tal como Freud fez a ilustração mais patente na formação do sonho. Pode-se, então, dizer que se o inconsciente é efetivamente estruturado como uma linguagem, o sintoma enquanto substituição constitutiva da linguagem é parte integrante, sempre possível, da linguagem. Dessa forma, ele é uma especificidade do parlêtre. O corolário disso seria saber por que haveria substituição de prazer ou de desprazer. Então, a função do sintoma não é somente significante, mas também de gozo. Ele não se reduz a uma verdade a ser interpretada, mas é também gozo a ser decifrado. O sintoma, na sua função de gozo, pode se fazer ouvir tanto quanto nós procuramos encontrar para ele um sentido. É a questão de uma clínica para além dos limites, ou seja, uma clínica do objeto, do real e do gozo, que está também para ser interrogada.
A seção - Sujeito e discurso - também reúne três artigos: no primeiro, Ida Freitas pergunta: ante a insistente questão veiculada na mídia, não sem intenção, claramente calculada - a psicanálise vai acabar? -, questão que é reflexo da cultura moderna, ante os avanços tecnológicos, da biogenética, das neurociências, qual o lugar do psicanalista nesta cultura tecnicamente aparelhada, onde tempo e espaço são redefinidos? A biogenética, ao reduzir a mente a um objeto de manipulação tecnológica, ao reduzir o homem a um mero objeto natural, apresenta-se como uma ameaça à humanidade, ao nosso censo de dignidade e autonomia. Como nós psicanalistas deveríamos agir diante desta ameaça que, em ultima instância, é uma ameaça ao sujeito particular, singular, único?
O segundo artigo, de Christian Dunker, examina a noção de crença à luz da psicanálise. O autor parte de uma apresentação das formas da incidência subjetiva da crença, tendo em vista sua fenomenologia, para em seguida discernir alguns elementos lógicos de suas constituição. O objetivo do trabalho é contribuir para o enfrentamento clínico de apresentações subjetivas fortemente marcadas pela crença. O autor propõe uma distinção entre interatividade, interpassividade e ato analítica como forma de clarificar a abordagem psicanalítica da crença.
O artigo de Angélia Teixeira, encerra esta seção. A autora evoca a concepção psicanalítica do Outro para falar da barbárie contemporânea. Recorre à teoria lacaniana dos discursos, onde Lacan dá um tratamento teórico ao discurso do capitalista, para evidenciar o impacto causado pelos elementos próprios ao capitalismo sobre a subjetividade.
Em A clínica do sujeito, José Antonio Pereira da Silva, autor de “O sujeito em questão na psicose”, primeiramente se pergunta se é possível estabelecer a diferença do conceito de sujeito na neurose e na psicose, para, em seguida, apresentar algumas possíveis distinções, e concluir com esta máxima: o sujeito do inconsciente em questão na neurose é evanescente, descontínuo; na psicose é permanente.
O que é uma criança? É a pergunta colocada por Sonia Magalhães em seu artigo “O evanescimento do mundo infantil”. Pode-se dizer que ele põe em destaque a importância da amnésia infantil como pré-história do sujeito. Referindo-se a Royo, a autora observa que cada época inventa seu conceito de criança - a forma de pensar a infância. Em Freud, o conceito de infância é correspondente ao de sexualidade infantil, que é dividido em dois momentos: antes e depois do período de latência. A hipótese principal do artigo, no entanto, também referida a Royo, é a de que no último meio século, vem ocorrendo um desaparecimento do mundo infantil, na medida em que vem crescendo progressivamente as exigências de se tratar uma criança como um adulto. Em suma, a criança de Royo não brinca mais. A autora parece contrariar sua referência, ao apresentar o conceito de infantil em Lacan, que é equivalente ao conceito de estrutura, isto é, ao efeito do significante que, por definição, está sujeito a um necessário evanescimento. Como no “Bloco mágico”, não no nível do comportamento, mas da linguagem (isto é, d´alíngua), a criança-sujeito de Lacan está sempre sujeita a aparecer e desaparecer. O que a autora nos leva a pensar, é que o evanescimento do mundo infantil é necessário, e que é impensável que ele possa deixar de acontecer no adulto. Dito de outra maneira: provavelmente, haverá sempre (é o necessário) evanescimento do mundo infantil, e, provavelmente, nunca haverá (é o impossível) a suposta permanência do mundo adulto.
O que leva um sujeito ao ato suicida? A resposta direta da autora, Soraya Carvalho, com base, principalmente, no estudo de 2600 casos, é: a perde de um significante-mestre. Este S1, a autora acrescenta, é correspondente ao Ideal do eu, um significante ideal que dava suporte ao sujeito. Para o sujeito suicida, conclui, ser morto é a única maneira de dispor de um lugar no campo do Outro, o que, de resto, ainda demonstra a reserva que devemos ter de encarná-lo em pessoas do ambiente familiar.
Com o artigo de Vitória Ottoni Carvalho, “O sujeito e o sintoma”, conclui-se a seção Clínica do sujeito. A autora se ocupa da conjunção, sujeito e sintoma, correlativa da conjunção, Freud e Lacan, isto é, da conjunção, sintoma-formação do inconsciente e sintoma-sujeito. Segundo a hipótese lacaniana, sujeito coincide com corpo, e, desse modo, a conjunção que finalmente a autora quer demonstrar situa-se entre sintoma e corpo.
E, em - Sujeito e gozo -, Carlos Pinto Corrêa, em seu artigo “O homem contra o sujeito”, sustenta o argumento, segundo o qual, parece irresistível a vocação que o homem possui para estar sempre voltado para o seu exterior, fugindo àquilo que tem de mais próximo que é o seu próprio interior. Seja nas ciências, na filosofia, na literatura, sempre existiu uma dificuldade no homem de pensar sobre si mesmo. Sócrates confessava não saber. Pensar é não saber e, mais, quando se pensa não se pretende saber, quando se pretende saber não se pensa. Assim, o homem tem vivido sem saber de si, mesmo com a proposta psicanalítica de revelar o sujeito do seu inconsciente.
Clarice Gatto, por sua vez, em seu artigo “A pulsão, seus destinos e o sujeito em análise”, se pergunta: qual a relação entre a noção de pulsão em Freud e a de gozo (jouissance) em Lacan? Em que a distinção demonstrada por Freud para os destinos possíveis da pulsão aparelha o psicanalista na direção do tratamento? Segunda questão: se um sonho, via régia da psicanálise, testemunha a existência das formações do inconsciente e o sintoma testemunha o retorno do recalcamento: será que posso referir os destinos da pulsão à estrutura da fantasia e, por conseguinte, ao modo de gozar de um sujeito além do princípio do prazer, em sua versão do pai (péreversion)?
Finalmente, Marcus do Rio, em “Supereu e imperativo do gozo”, também se coloca uma questão, que lhe parece um tanto ingênua, mas que, longe disso, parece conter muita malícia, acerca da naturalidade com que nos referimos à definição lacaniana do supereu. De fato, diz, esta definição já faz parte das nossas referências teóricas há tanto tempo que costumamos esquecer - ou, no caso das novas gerações de analistas, saltar - a definição freudiana, evitando cotejá-la com a leitura de Lacan. A nossa questão poderia ser resumida desta forma: Lacan está sendo coerente com Freud quando fala do supereu?
Boa leitura.
Jairo Gerbase