quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O sujetio da psicanálise
Apresentação
O sujeito em questão na psicanálise é aquele de origem marcado pela divisão. Trata-se do sujeito do inconsciente: aquele que não sabe o que diz quando alguma coisa é dita pela palavra que lhe falta, assim como por uma conduta singular que ele crê ser sua.
O sujeito pode ser definido em relação ao fading, ao cansaço, que é fruto da relação entre o sujeito e si próprio, não entre o sujeito e o mundo.
Pode também ser definido como um efeito de sentido do significante, o que quer dizer, sobretudo que é sem conteúdo. O sintoma da dúvida é uma boa ilustração do que significa um efeito de sentido sem conteúdo. O sintoma da dúvida é, em si, sem conteúdo. O conteúdo da dúvida é derivado, secundário. A dúvida primária é sem conteúdo. Talvez até possamos dizer que a dúvida primária é real e, para fazer um dialelo, dizer que essa concepção do sujeito permite defini-lo como real.
Um discurso modela a realidade, sem esperar nenhum consenso do sujeito, dividindo-o, seja o que for que ele enuncie. Disso resulta possível situá-lo nos mais diversos discursos. O discurso do analista exprime o sujeito como outro, ou seja, lhe remete a chave de sua divisão. O discurso da ciência torna o sujeito mestre, na medida em que o desejo que lhe dá validade ao mesmo tempo o subtrai. É também por isso que aí se manifesta um real próximo do discurso histérico.
Dado que o significante representa um sujeito, não um significado, para um outro significante, não para um outro sujeito, o significante não pode sucumbir ao signo, que representa alguma coisa para alguém. O psicanalista está advertido de que esta alguma coisa da qual deve se ocupar é a divisão do sujeito, que não deve ser tomada por uma coisa, posto que é falha e de estrutura.
A divisão do sujeito ressoa as vicissitudes do saber do sexual sempre traumático, sempre condenado ao fracasso pelo fato de que o significante não está apto para formular na estrutura a relação sexual.
A coletânea – O sujeito da psicanálise - está distribuída em quatro seções: topologia do sujeito, sujeito e discurso, clínica do sujeito, sujeito e gozo.
A seção Topologia do sujeito compreende três artigos: no primeiro, se encontrará a justificação da metáfora como operação significante equivalente à condensação freudiana, a metáfora como mecanismo primário das formações do inconsciente.
No segundo, se relaciona o primeiro momento de efetuação da estrutura, o Fort-da, como correlativo ao domínio da linguagem falada, e o segundo, a castração, como correlativo domínio da leitura e da escrita. A esses dois momentos de efetuação da estrutura, Roseli Rodella acrescenta um terceiro, a puberdade, momento em que o sujeito encontra-se com o Outro sexo, com a ausência do significante que nomeia Mulher. Este terceiro momento, a autora coloca como correlativo ao domínio da matemática. O número, aí, como uma forma de se representar no Outro tal como somos representados pelo significante.
No terceiro, Didier Castanet define a estrutura do sintoma como estrutura da metáfora, tal como Freud fez a ilustração mais patente na formação do sonho. Pode-se, então, dizer que se o inconsciente é efetivamente estruturado como uma linguagem, o sintoma enquanto substituição constitutiva da linguagem é parte integrante, sempre possível, da linguagem. Dessa forma, ele é uma especificidade do parlêtre. O corolário disso seria saber por que haveria substituição de prazer ou de desprazer. Então, a função do sintoma não é somente significante, mas também de gozo. Ele não se reduz a uma verdade a ser interpretada, mas é também gozo a ser decifrado. O sintoma, na sua função de gozo, pode se fazer ouvir tanto quanto nós procuramos encontrar para ele um sentido. É a questão de uma clínica para além dos limites, ou seja, uma clínica do objeto, do real e do gozo, que está também para ser interrogada.
A seção - Sujeito e discurso - também reúne três artigos: no primeiro, Ida Freitas pergunta: ante a insistente questão veiculada na mídia, não sem intenção, claramente calculada - a psicanálise vai acabar? -, questão que é reflexo da cultura moderna, ante os avanços tecnológicos, da biogenética, das neurociências, qual o lugar do psicanalista nesta cultura tecnicamente aparelhada, onde tempo e espaço são redefinidos? A biogenética, ao reduzir a mente a um objeto de manipulação tecnológica, ao reduzir o homem a um mero objeto natural, apresenta-se como uma ameaça à humanidade, ao nosso censo de dignidade e autonomia. Como nós psicanalistas deveríamos agir diante desta ameaça que, em ultima instância, é uma ameaça ao sujeito particular, singular, único?
O segundo artigo, de Christian Dunker, examina a noção de crença à luz da psicanálise. O autor parte de uma apresentação das formas da incidência subjetiva da crença, tendo em vista sua fenomenologia, para em seguida discernir alguns elementos lógicos de suas constituição. O objetivo do trabalho é contribuir para o enfrentamento clínico de apresentações subjetivas fortemente marcadas pela crença. O autor propõe uma distinção entre interatividade, interpassividade e ato analítica como forma de clarificar a abordagem psicanalítica da crença.
O artigo de Angélia Teixeira, encerra esta seção. A autora evoca a concepção psicanalítica do Outro para falar da barbárie contemporânea. Recorre à teoria lacaniana dos discursos, onde Lacan dá um tratamento teórico ao discurso do capitalista, para evidenciar o impacto causado pelos elementos próprios ao capitalismo sobre a subjetividade.
Em A clínica do sujeito, José Antonio Pereira da Silva, autor de “O sujeito em questão na psicose”, primeiramente se pergunta se é possível estabelecer a diferença do conceito de sujeito na neurose e na psicose, para, em seguida, apresentar algumas possíveis distinções, e concluir com esta máxima: o sujeito do inconsciente em questão na neurose é evanescente, descontínuo; na psicose é permanente.
O que é uma criança? É a pergunta colocada por Sonia Magalhães em seu artigo “O evanescimento do mundo infantil”. Pode-se dizer que ele põe em destaque a importância da amnésia infantil como pré-história do sujeito. Referindo-se a Royo, a autora observa que cada época inventa seu conceito de criança - a forma de pensar a infância. Em Freud, o conceito de infância é correspondente ao de sexualidade infantil, que é dividido em dois momentos: antes e depois do período de latência. A hipótese principal do artigo, no entanto, também referida a Royo, é a de que no último meio século, vem ocorrendo um desaparecimento do mundo infantil, na medida em que vem crescendo progressivamente as exigências de se tratar uma criança como um adulto. Em suma, a criança de Royo não brinca mais. A autora parece contrariar sua referência, ao apresentar o conceito de infantil em Lacan, que é equivalente ao conceito de estrutura, isto é, ao efeito do significante que, por definição, está sujeito a um necessário evanescimento. Como no “Bloco mágico”, não no nível do comportamento, mas da linguagem (isto é, d´alíngua), a criança-sujeito de Lacan está sempre sujeita a aparecer e desaparecer. O que a autora nos leva a pensar, é que o evanescimento do mundo infantil é necessário, e que é impensável que ele possa deixar de acontecer no adulto. Dito de outra maneira: provavelmente, haverá sempre (é o necessário) evanescimento do mundo infantil, e, provavelmente, nunca haverá (é o impossível) a suposta permanência do mundo adulto.
O que leva um sujeito ao ato suicida? A resposta direta da autora, Soraya Carvalho, com base, principalmente, no estudo de 2600 casos, é: a perde de um significante-mestre. Este S1, a autora acrescenta, é correspondente ao Ideal do eu, um significante ideal que dava suporte ao sujeito. Para o sujeito suicida, conclui, ser morto é a única maneira de dispor de um lugar no campo do Outro, o que, de resto, ainda demonstra a reserva que devemos ter de encarná-lo em pessoas do ambiente familiar.
Com o artigo de Vitória Ottoni Carvalho, “O sujeito e o sintoma”, conclui-se a seção Clínica do sujeito. A autora se ocupa da conjunção, sujeito e sintoma, correlativa da conjunção, Freud e Lacan, isto é, da conjunção, sintoma-formação do inconsciente e sintoma-sujeito. Segundo a hipótese lacaniana, sujeito coincide com corpo, e, desse modo, a conjunção que finalmente a autora quer demonstrar situa-se entre sintoma e corpo.
E, em - Sujeito e gozo -, Carlos Pinto Corrêa, em seu artigo “O homem contra o sujeito”, sustenta o argumento, segundo o qual, parece irresistível a vocação que o homem possui para estar sempre voltado para o seu exterior, fugindo àquilo que tem de mais próximo que é o seu próprio interior. Seja nas ciências, na filosofia, na literatura, sempre existiu uma dificuldade no homem de pensar sobre si mesmo. Sócrates confessava não saber. Pensar é não saber e, mais, quando se pensa não se pretende saber, quando se pretende saber não se pensa. Assim, o homem tem vivido sem saber de si, mesmo com a proposta psicanalítica de revelar o sujeito do seu inconsciente.
Clarice Gatto, por sua vez, em seu artigo “A pulsão, seus destinos e o sujeito em análise”, se pergunta: qual a relação entre a noção de pulsão em Freud e a de gozo (jouissance) em Lacan? Em que a distinção demonstrada por Freud para os destinos possíveis da pulsão aparelha o psicanalista na direção do tratamento? Segunda questão: se um sonho, via régia da psicanálise, testemunha a existência das formações do inconsciente e o sintoma testemunha o retorno do recalcamento: será que posso referir os destinos da pulsão à estrutura da fantasia e, por conseguinte, ao modo de gozar de um sujeito além do princípio do prazer, em sua versão do pai (péreversion)?
Finalmente, Marcus do Rio, em “Supereu e imperativo do gozo”, também se coloca uma questão, que lhe parece um tanto ingênua, mas que, longe disso, parece conter muita malícia, acerca da naturalidade com que nos referimos à definição lacaniana do supereu. De fato, diz, esta definição já faz parte das nossas referências teóricas há tanto tempo que costumamos esquecer - ou, no caso das novas gerações de analistas, saltar - a definição freudiana, evitando cotejá-la com a leitura de Lacan. A nossa questão poderia ser resumida desta forma: Lacan está sendo coerente com Freud quando fala do supereu?
Boa leitura.
Jairo Gerbase

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