quarta-feira, 21 de setembro de 2011

EXTRA! EXTRA! O FIM DA PSICANÁLISE!?

Robson Campos
Alguém que tenha passado diante de uma banca de revistas em outubro de 2002
teve a oportunidade de se deparar com a seguinte manchete estampada na capa da
SUPERINTERESSANTE
precisa de Freud?
A mera curiosidade de uns e o interesse preocupado de outros contribuíram para que
várias dessas revistas fossem vendidas: méritos dos autores e dos editores. Entretanto, após
a leitura das nove páginas dedicadas ao assunto, percebe-se que nenhuma novidade
consistente estava sendo apresentada. Basta comparar tal reportagem, por exemplo, com
uma similar publicada na revista
sensacionalista –
páginas – numa tentativa de convencer aos leitores de que o avanço das neurociências e das
psicoterapias breves estaria levando a Psicanálise para o túmulo.
Essas reportagens, como de resto a maioria das críticas endereçadas à Psicanálise,
sustentam-se num equívoco primário: a tentativa de estabelecer uma competição entre
Psicanálise, Psiquiatria Biológica e Psicologia, como se esses três saberes tivessem uma
finalidade comum – remover sintomas neuróticos. Se assim fosse, e é esse o raciocínio que
sustenta tais reportagens, a Psicanálise seria derrotada pelas suas supostas concorrentes por
ser mais demorada e, conseqüentemente, mais cara do que os tratamentos medicamentosos
ou as psicoterapias breves.
O ponto central a ser desfeito nesse equívoco e que elimina essa suposta competição
é que a Psicanálise não tem como finalidade remover sintomas, ainda que esse resultado
acabe sendo obtido, por acréscimo, como costumava afirmar Freud no início do século XX.
Ultrapassar o nível da erradicação sintomática tornou-se fundamental a partir da
verificação de Freud de que um sintoma não surgia casualmente, mas pelo contrário,
possuía um sentido latente, ou seja, o seu aparecimento testemunhava que algo não ia bem
com o sujeito que dele padecia.
Ao invés de atacar os sintomas, considerados a partir de então como efeitos, Freud
propôs uma investigação sobre as suas causas, conduzindo o sujeito ao encontro com a sua
própria verdade inconsciente.
Alguns anos mais tarde, Freud pôde constatar também que existiam sintomas
resistentes a esse trabalho de decifração, ou seja, por mais que fosse atribuído sentido a
certos sintomas eles se mantinham inarredáveis. Uma curiosa parceria se estabelecia entre
os pacientes e os seus sintomas a ponto dos primeiros não conseguirem se livrar dos
últimos, mesmo com toda a determinação em acabar com o sofrimento que esses
produziam.
Essa constatação funcionou – e ainda funciona – como um motor que mantém os
psicanalistas, em cada tratamento que conduzem, empenhados no acompanhamento e
retificação das artimanhas utilizadas pelo ser humano em sua tentativa de continuar amando
o seu sintoma como a si mesmo. E mais do que isso: considerando que um analista é o
resultado, o produto que emerge de uma análise
também uma exigência no que se refere à formação do psicanalista: por maior que seja o
conhecimento teórico acumulado pelo estudioso da Psicanálise, esse não será suficiente
para o exercício da prática clínica, uma vez que só é possível operar além da mera
atribuição de sentido se o analista se submeter, ele próprio, a uma Psicanálise que lhe
possibilite saber lidar com o seu próprio inconsciente, do qual ele também não está imune.
Tendo a Psicanálise as suas especificidades, tanto no seu método quanto na
formação de seus praticantes, não faz o menor sentido contrapô-la a outros campos do
conhecimento. Muito pelo contrário, seria mais coerente perceber a existência de uma
cooperação mútua entre esses saberes que, aliás, é o que acontece na prática mesmo quando
não se tem esse objetivo, como exemplificou Francisco Barreto
de análises por alguns homens após a chegada do
contrapartida, trouxe aos divãs dos psicanalistas as parceiras desses
Além disso, se por um lado não podemos abrir mão dos progressos científicos, por
outro também sabemos que nenhuma droga cura a dor de existir ou a ignorância de alguém
sobre a sua própria verdade. Isso é um presságio de que, apesar dos pessimistas de plantão,
a Psicanálise terá uma vida longa.
: “O fim da Psicanálise? Será que alguém (incluindo você) ainda1.VEJA em março de 1994, que trazia um título não menos“Dr. Prozac contra Freud” 2 – e que mereceu o mesmo espaço – nove3, a constatação de Freud vai produzir4 a propósito do abandonoViagra às farmácias, mas que emhomens insaciáveis.
1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
Revista Superinteressante. São Paulo: Editora Abril, nº 181, outubro 2002, p. 42-50.
2
2
Revista Veja. São Paulo: Editora Abril, março 1994, p.50-58.
3
3
1968, p.14-30.
LACAN, Jacques. Proposition du 9 octobre 1967 sur lê psychanalyste de l’École. In: Scilicet 1. Paris:Seuil,
4
4 BARRETO, Francisco. Nossa pica. In: Ornicar? Digital – Revue électronique multilingue de psychanalyse

Palavras-chave: sintoma, formação do analista, neurociências, psicoterapia breve

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